A foto acima não é de um apartamento destruído pelos bombardeios no eterno conflito do Oriente Médio na Faixa de Gaza. Essas imagens foram feitas no Rio Grande do Sul, estado que foi atingido pela maior catástrofe "natural" de todos os tempos no Brasil. As aspas são obrigatórias porque, se tivessem constatado previamente que as enchentes que atingiram noventa por cento daquele estado talvez pudessem ter sido evitadas, se houvesse um pouco mais de bom senso por parte das autoridades responsáveis e "especialistas" do setor, muitas vidas seriam salvas, com certeza.
Não quero trazer aqui a opinião de tais "especialistas" - aliás, especialista é o profissional que enfrenta os porblemas "in loco" - tal qual a quase extinta "grande imprensa" faz em um caso desses quando tudo foi literalmente por água abaixo.
Mas para quem ainda duvida e acha que "não foi tão catastrófico assim", quero trazer o depoimento de um morador de Canoas, uma das cidades mais atingidas pela "catástrofe praticamente anunciada" de como ele viu, como ele sofreu e do que está esperando daqui por diante.
Prestes a completar 58 anos, Nelson Fernando Witkowski é um daqueles paulistas da região do ABC, que resolveu contrariar a lógica e saiu pelo mundo até fincar raízes e constituir família no longínquo Rio Grande do Sul, no gigantesco biarro de Matias Velho, no município de Canoas, próximo a Porto Alegre.
Ele é um jornalista que conheci ainda no Colégio Anchieta, de São Bernardo do Campo, onde fizemos o "ogrotécnico" curso de eletrônica. Lá se vão quarenta anos. Quis o destino que fizéssemos a mesmo curso de jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo, que já não existe mais, tal qual o famigerado colégio, no bairro do Rudge Ramos, um dos principais da cidade.
Nelson entrou e se formou depois de mim. Mesmo estando em turmas diferentes, aprontamos "poucas e boas" fora do currículo. Foram poucas, mas foram muito boas, como a entrevista com o saudoso Kid Vinil, no antigo estúdio da Rádio Brasil 2000 FM.
Mas isso fica para outro dia. Por ora, fiquemos com o seu comovente, revoltado e preciso depoimento.
Onde fica:
A tragédia anunciada que acabou com a minha vida - Por Nelson Fernando Witkowski
Vou começar pelo princípio para que o amigo leitor não perca "o fio da meada" e entenda como se chegou a este estado de coisas.
No governo Dilma foram construídas aqui no estado três barragens para alimentar três usinas hidroelétricas. Na época, já se contestava a construção por serem absolutamente desnecessárias.
Depois da chuva ter saturado o solo, depois de os ambientalistas conseguirem proibir a retirada de areia dos rios em 2015, o leito dos rios ficou mais razo.
No auge das útlimas chuvas, alguém, nunca se soube ao certo quem foi, mandou abrir as cinco barragens.
A quantidade de água foi absurda.
Em alguns locais a água subiu mais de 30 metros. As autoridades tiveram informação e também prazo para fazer evacuação.
Porém, no dia anterior à inundação o prefeito de Canoas fez um vídeo e divulgou pelas redes sociais, dizendo que não precisava sair porque estava "tudo sob controle".
O meu bairro é um pouco mais alto. Não acreditei que chegaria até lá, quanto menos que entraria em casa.
O alerta de evacuação só foi feito poucas horas antes da água chegar, com um, (somente um) carro de som, que não passou no meu bairro.
Tive tempo de colocar coisas importantes no alto dos armários, levantei a cama com qautro banquinhos, etc.
Até aí acreditávamos que se a água chegasse seriam somente alguns centímetros, porque o Matias Velho é enorme. São uns 8 Km de casa até os diques que seguram a água de um rio próximo.
Saí de casa duas horas antes. A água estava chegando pelos dois lados da rua.
Levei apenas minha esposa, nossas cachorrinhas e uma mala porque achávamos que no dia seguinte estaríamos de volta.
A água subiu uns 2,5m e levou mais de 20 dias para baixar.
Agora, estamos limpando a casa há alguns dias, se livrando de objetos e eletrodomésticos que usamos no dia-a-dia e, o pior de tudo, jogando fora coisas que não são apenas materiais, são lembranças, fotos de família antigas, presentes dos meus pais que já se foram, coleção de discos de vinil, instrumentos musicais, "sacrifícios pagos à prestação", coisas de toda uma vida indo para o lixo.
Isto poderia ter sido evitado?
SIM! Se a manutenção dos diques, bombas, muros e comportas tivesse sido feita como se deve, dentro das normas de segurança. Uma tragédia maior teria sido evitada se as prefeituras e a Defesa Civil tivesse feito uma evacução de forma mais rápida e ágil. Infelizmente não foi o que aconteceu e o resultado está aí, caro leitor, para quem quiser ver.
Só agora poderemos contar os prejuízos materiais e também as vidas que foram perdidas.
Conforme os barqueiros socorristas, somente em Canoas se estimam mais de dois mil mortos, a maioria idosos e crianças que não foram avisados e não puderam sair a tempo.