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Como fica o Brasil no meio desta guerra comercial?
Por Professor Bertoncello
Por Redação Rádio Base
Publicado em 08/04/2025 12:03
Economia

A guerra comercial entre Estados Unidos e China, deflagrada em 2025 com a imposição de tarifas sobre bilhões de dólares em bens, reconfigurou o comércio global e abriu possibilidades para países como o Brasil. Esse embate, ao elevar tarifas sobre produtos como soja e manufaturados, sugere um cenário em que o Brasil poderia atrair investimentos externos, fomentar o empreendedorismo local e posicionar seu agronegócio como alternativa viável aos mercados afetados. Em tese, essa ruptura pode reposicionar o país como um fornecedor estratégico de alimentos, energia, minerais e até produtos industrializados, atraindo investimentos externos em busca de segurança, diversidade e confiabilidade.

O agronegócio brasileiro, com suas vantagens naturais e tecnológicas, surge como protagonista potencial nesse novo arranjo global. Da mesma forma, empresários locais, historicamente limitados pelo mercado interno, podem encontrar brechas para atuar em nichos de fornecimento antes dominados por asiáticos. As multinacionais, por sua vez, passam a considerar o Brasil como uma alternativa viável para descentralizar suas cadeias produtivas, em um movimento de "nearshoring" (perto) e "friendshoring" (amigável).

No entanto, apesar do aparente otimismo, pairam dúvidas legítimas: o Brasil está, de fato, preparado para aproveitar essa oportunidade histórica? Possuímos a estrutura, o capital humano e a capacidade institucional necessários para competir globalmente em padrões de qualidade, inovação e sustentabilidade?

Novas oportunidades, velhos desafios - O empreendedorismo é uma das principais forças motrizes para o crescimento econômico sustentável, especialmente quando motivado pela identificação de oportunidades e não pela mera necessidade de sobrevivência. O empreendedor por oportunidade é aquele que observa uma lacuna no mercado, desenvolve um produto ou serviço inovador e busca escalar seu negócio de forma planejada e estratégica. Fairlie e Fossen (2019) destacam que esse tipo de empreendedorismo tende a gerar negócios mais duradouros, com maior impacto econômico e social. Baumol (1990), por sua vez, reforça que esse modelo produtivo é crucial para economias competitivas, sugerindo que o Brasil poderia ensinar seus empreendedores a mirar além da subsistência. A questão é: como transformar esse potencial em prática em um país onde a necessidade frequentemente prevalece?

Inserir-se nas cadeias globais de fornecimento exige mais do que vontade; demanda aprendizado prático em eficiência e confiabilidade. Empresas precisam oferecer qualidade consistente, custos competitivos e conformidade com padrões internacionais, como normas ambientais exigidas pela Europa ou Ásia. Gereffi (2018) ensina que a competitividade nas cadeias globais depende de governança e adaptação, um desafio que o Brasil poderia vencer ao atender mercados desabastecidos pela guerra comercial. Mentzer (2001) complementa, destacando a confiabilidade operacional como base para parcerias globais, uma lição que nossos empreendedores precisam assimilar. Participar desse jogo global significa dominar logística e tecnologia, mas o Brasil está preparado para esse aprendizado?

Repostas, o ambiente brasileiro ainda impõe diversos gargalos que dificultam a transformação de empreendedores locais em players globais. A burocracia estatal, a instabilidade regulatória, o sistema tributário complexo e a falta de infraestrutura logística são obstáculos recorrentes. A ausência de políticas consistentes de fomento à inovação e de apoio à exportação para pequenas empresas limita ainda mais o potencial de inserção internacional. Schwartzman (2004) e La Rovere (2022) apontam que o ecossistema empreendedor brasileiro carece de políticas públicas coerentes com a realidade do mercado e sofre com a descontinuidade institucional. O excesso de intervenções estatais e a politização das decisões econômicas reduzem a previsibilidade, espantam investidores e inibem o surgimento de novos negócios com visão de longo prazo.

Diante destas dificuldades, o agronegócio ilustra bem esse paradoxo entre potencial e frustração. Com recursos naturais abundantes e liderança em soja e carne, o setor poderia ensinar ao mundo como aproveitar a guerra comercial. Porter (1990) diria que nossas vantagens competitivas — terras e produtividade — são um ponto de partida sólido, mas insuficiente sem inovação. Farina (2005) reconhece o trabalho do agro brasileiro, mas lamenta a incapacidade de verticalizar, exportando grãos brutos enquanto outros lucram com produtos processados. A lição é clara: sem agregar valor ou complexidade, o Brasil permanece um aluno aplicado em produção, mas reprovado em estratégia global.

Nesse contexto, qual seria nossa saída? Investir em capital humano e transformar o sistema educacional brasileiro tornam-se estratégias indispensáveis para reverter esse quadro. O desenvolvimento endógeno, como defendem Romer (1990) e Aghion e Howitt (1998), exige que o conhecimento e a inovação sejam gerados internamente, com base em um sistema educacional robusto, inclusivo e conectado às demandas do século XXI. No entanto, como mostram Raiser (2021) e Schwartzman (2004), o Brasil ainda sofre com uma educação básica deficiente, grandes desigualdades regionais e uma desconexão entre escola e mundo do trabalho. Sem uma revolução na educação e sem a valorização do conhecimento como ativo estratégico, o país continuará desperdiçando talentos e oportunidades em escala global.

Resumindo - Diante da oportunidade rara gerada pela reconfiguração das cadeias globais em função da guerra comercial entre Estados Unidos e China, o Brasil poderia finalmente dar um salto de qualidade em sua inserção internacional. O cenário ideal envolveria a consolidação do empreendedorismo por oportunidade, a integração competitiva de empresas nas cadeias globais, a valorização do agronegócio com maior agregação de valor e a elevação do capital humano como motor do desenvolvimento endógeno. No entanto, a realidade aponta para um caminho oposto.

Mas, sem políticas que enfrentem nossos gargalos ou invistam em educação, perdemos novamente a chance de um progresso endógeno, como já ocorreu em outros momentos históricos, com outros países. O custo dessa falha é alto: produtos estrangeiros excedentes, rejeitados na guerra comercial, invadirão nosso mercado, enquanto a indústria nacional, sufocada por custos e falta de apoio, sucumbirá mais uma vez. Cabe a nós, como aprendizes, exigir essa mudança antes que a próxima lição chegue tarde demais.

 

Referências

AGHION, Philippe; HOWITT, Peter. Endogenous Growth Theory. Cambridge: MIT Press, 1998.

BAUMOL, W. J. Entrepreneurship: Productive, Unproductive, and Destructive. Journal of Political Economy, v. 98, n. 5, p. 893-921, 1990.

FAIRLIE, Robert W.; FOSSEN, Frank M. Opportunity versus Necessity Entrepreneurship: Two Components of Business Creation. SSRN Electronic Journal, 2019.

FARINA, E. Agribusiness Competitiveness in Brazil. In: FARINA, E.; NUNES, R. (Eds.). Brazilian Agribusiness: Challenges and Opportunities. São Paulo: FGV, 2005.

GEREFFI, G. Global Value Chains and Development: Redefining the Contours of 21st Century Capitalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.

LA ROVERE, Renata Lèbre. Challenges for the Measurement of Innovation Ecosystems and Entrepreneurial Ecosystems in Brazil. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 2022.

MENTZER, J. T. Supply Chain Management. Thousand Oaks: Sage Publications, 2001.

PORTER, M. E. The Competitive Advantage of Nations. New York: Free Press, 1990.

RAISER, Martin. Brazil can improve education by copying its own successes. Brookings Institution, 2021.

ROMER, Paul. Endogenous Technological Change. Journal of Political Economy, v. 98, n. 5, 1990.

SCHWARTZMAN, Simon. The Challenges of Education in Brazil. Oxford: Symposium Books, 2004.

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